sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Pelo bem do método.

Posso estar enganado, e bem, espero que esteja. Mas acredito que há gente muito pouco gentil no ramo heráldico. Reitero que não sou um megalômano. Heráldica não é minha vida, não ganho um centavo pela tarefa de escrever este tedioso blog. Não ganho porque não quero, não sou a favor de encher um blog de publicidade, de tal forma que todo ele acabe se tornando uma grande vitrine.

Por isso, também não cobro um centavo sequer quando forneço ajuda com heráldica aos que me pedem, não vendo meus desenhos heráldicos nem os faço por encomenda em troca de qualquer pagamento em dinheiro.

Eu não sou um desses caras. Não acredito que Heráldica tenha de ser caro e chique.
Na minha página do DeviantArt, posto sempre minhas mais recentes Peças Heráldicas digitais, e lá, aceito comissões por pontos. Para os leigos, pontos são uma espécie de moeda no DeviantArt, que permite melhorar o perfil, adicionar subpastas no seu catálogo de posts, dentre outras melhoras. Lá eu peço points, porque com eles teria uma melhor usabilidade no serviço. Mas sigo sem aceitar nenhum dinheiro. Não acredito que Heráldica tenha de ser algo caro e chique. Não acredito que tenha de ser esnobista. Não acredito que tenha de ser floreada. Não é pra isso que ela serve.
A cena errada, o momento errado, a ocasião perfeita
A Heráldica é uma forma de identificação. Heraldistas são os guardiões deste método, da ciência criada para compreender a identificação. Está em suas mãos o poder de compreender e transmitir tal método. Ao encontrarem incorreções, é importante que as tragam à tona. Meu pai diz que "quem encobre o malfeito, faz pior do que quem o malfeito fez." Radical? Sim. Ácido? Totalmente. O método é claro, está escrito, preto no branco. A forma com que alguns heraldistas agem, condescendentes e comodistas, ultrapassando o método por vaidade, utilizando-se de  convicções pessoais, conjecturas e ideias de outras ciências humanas para isso é nada menos que estúpida.

Não nego que também faça isso. Porque provavelmente eu também o faço.

O método é o correto. Suas adaptações devem ser tratadas com cuidado e seus desvios devem ser extirpados. A última frase me lembrou de Huxley e Orwell. O certo é o certo e o errado é o errado.

Mas somos humanos e ninguém está sempre certo. Eu também estou errado, os outros também estão errados. Por desatenção, por desleixo ou mesmo por má-fé. Ninguém pode estar certo todo o tempo. Como alguém que li uma vez, que dizia que se outro estava descontente com o cenário da Heráldica que existia, fosse lá e criasse uma instituição para normatizá-la. Mas pra que isso? A Heráldica só necessitará de uma normatização quando tivermos um governo que a trate como deve ser tratada. Normatização não é necessária atualmente. Respeitar o método sim.

Faz-se mais levando conhecimento de forma criteriosa do que apontando falhas. Precisa-se ensinar o método, e não utilizá-lo se dele (ou de qualquer outra coisa) para julgar-se mais correto sobre qualquer coisa.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Nova "Nobreza" da internet.

Antes de ser um blogueiro sobre heráldica, gosto muito de ser um leitor. Sou leitor assíduo do Dibujo Heráldico, do Xavier Garcia e Mesa, bem como (e até ainda mais) do Crónicas Heráldicas, do Juan José Carrion Rangel.

Estava novamente lendo estes dias, durante as minhas férias, e encontrei um excelente diálogo, evidentemente fictício, tratando da "ostentação" que alguns fazem sobre seus brasões, títulos e suposta "nobreza". Passo a citá-lo, em tradução livre:

E um diálogo entre um verdadeiro militar (com tão somente uma ou duas medalhas após trinta anos de serviço e um par de missões na Ásia) e um cavaleiro de alguma destas "ordens", com o peito coberto de metal tilintante, poderia ser similar a isto.

-E todas estas medalhas, de que são?
-Já te digo. 
-Essa grande cruz vermelha, por exemplo. O que fez para ganhá-la? 


Colar da Ordem da Zabumba Inconclusa. ©Xavier Garcia y Mesa

-Bom, na realidade significa que sou cavaleiro da Ordem da Zabumba Inconclusa.
 
-Ah... (silêncio). Bom, e que méritos fez para pertencer a esta ordem? 
-Então, olha... Eu paguei para entrar. Enfim, é... bom... bonita festa, né? Ei, eu te apresentei ao marquês do Álamo Estreito? 
Imaginem a cara do verdadeiro militar.
Essa conversa é perfeitamente aplicável em terras brasileiras nos dias de hoje. Há uma profusão de páginas na internet clamando supostos direitos de herança sobre títulos nobiliárquicos e soberanos. Algumas destas chegam a distribuir entre os seus leitores, amigos e colaboradores "títulos honoríficos". Em algumas páginas, contei, para apenas UMA PESSOA, 21 títulos, dentre eles quatro principados, três marquesados e seis títulos de Rei de Armas. SEIS! O que infelizmente só prova que uma parte dos heraldistas, mais usualmente os monarquistas megalômanos, tem um dedo nisso, ou pior, um braço inteiro nisso.

Sou aficionado por heráldica desde os meus 14 ou 15 anos, e nos últimos dois anos, passei a levar a matéria mais a sério, aproveitando a imensa quantidade de material de pesquisa sobre o assunto disponível na internet. Sou também defensor da Monarquia Constitucional, no Brasil. Não de uma Monarquia de extrema-direita como a maioria dos monarquistas nesta terra  defende, mas ainda assim, sou um monarquista. Mas se posso dizer que não sou algo é megalômano.

Dialoguei algumas vezes com esses tipos que se dizem condes, marqueses, príncipes e seja lá mais o que forem. Geralmente me pedem que produzam heráldica para eles, em troca de um título de nobreza ou um posto de Arauto, Passavante ou do gênero. Desse tipo de nobreza, Já sou Príncipe de Lisander, minha nação fictícia, e Grão-Mestre da Ordem do Arminho, ordem tão fictícia quanto a nação. Não preciso de nenhum título (a não ser que ele inclua vultosas somas em dinheiro, assim eu posso me sustentar vivendo sozinho numa capital de estado, o que não é muito fácil.)
Brasão de Armas do Príncipe de Lisander, com o colar da Ordem do Arminho.
Na vida real, comparado às dezenas de honrarias e títulos e honrarias que estão sobrando por aí, a pender e timbrar brasões por aí, sou bem mais modesto. Sou membro apenas da Ordem Sagrada dos Soldados Companheiros de Jacques DeMolay, popularmente conhecida como Cavalaria DeMolay, uma ordem paramaçônica juvenil. E nem esta tenho me dado ao luxo de ostentar, afinal já há dois anos, por conta dos estudos, estou afastado de qualquer função ativa nela. De que serve uma honraria a não ser para premiar méritos?

Faço minhas as palavras de Francesc Piferrer em seu ''Tratado de Heráldica y Blasón , que perfeitas para o caso da Ordem da Zabumba Inconclusa, também se adequam muito bem a todo este caso sobre o qual estivemos falando aqui.


Os pontos 13 e 15 são os melhores.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Novo nome e divulgação

Olá, leitores. Recomeço o blog em 2015 com um novo nome. Atelier Heráldico já existe e já está há um bom tempo na internet, então achei melhor trocar. Ele se chama agora "Blog de Armoria", nome inspirado no excelente Blog de Heráldica, hoje já finalizado, do heraldista espanhol Juan José Carrión Rangel.

Para começar essa nova fase deste tedioso blog, trago um projeto muito interessante que encontrei no blog Heraldica Nova, referência em projetos de heráldica em nível acadêmico. "A serviço da Coroa: O uso da heráldica na comunicação política real no Portugal do fim da Idade Média" é um projeto que está sendo desenvolvido por Torsten Hiltmann, da Universidade de Münster e Miguel Metelo de Seixas, da Universidade Nova de Lisboa. Abaixo está parte da apresentação, que pode ser lida na íntegra e em inglês neste link.
A Heráldica Portuguesa parece ter tomado um rumo bastante peculiar. Em comparação com outras regiões, como França, Inglaterra e Alemanha, em Portugal a heráldica evoluiu bastante tarde e surpreendentemente diferente. Apesar da riqueza das fontes e os insights surpreendentes que podem fornecer, a comunicação heráldica portuguesa no fim do medievo continua a ser pouco estudada, especialmente no resto da Europa. Graças ao generoso financiamento do Volkswagen Stiftung, Eu e Miguel Metelo de Seixas e nos propusemos a mudar isso dentro dos próximos três anos. Um dia antes do Natal do ano passado, a fundação nos informou que a nossa proposta de projeto de pesquisa colaborativa Alemão-Português havia sido aceita. Assim, estamos agora em condições de instalar um novo sub-projeto dentro do Projeto ''Performance of Coat of Arms'' que incidirá sobre as particularidades da heráldica portuguesa no final da Idade Média, e, especialmente, a sua utilização em comunicação política real.

O que há de tão especial sobre Portugal?  

Portugal mostra-se um estudo de caso interessante por causa da centralização inicial da autoridade real. Isto reflete-se na criação de um discurso confirmativo dessa autoridade, na teoria política e também na comunicação visual. Vários membros da família real de Avis (os reis João I e Duarte,e os príncipes Pedro e Henrique) escreveram eles próprios ou traduziram textos sobre doutrina política (specula principis). Suas idéias salientam o papel do rei como o possuidor de um poder que, embora certamente de origem sagrada, também baseava em um conceito neoplatônico. Este conceito integrado os membros da comunidade política dentro de uma estrutura hierárquica em que todos tinham a sua função: A tarefa do rei, como juiz supremo, é preservar o equilíbrio deste sistema de acordo com os princípios de justiça.
Ao contrário da situação na maioria dos outros reinos da Europa, os reis portugueses reclamaram para si autoridade exclusiva sobre heráldica e os meios de sua expressão monumental e visual. A coroa criou ela mesma uma autoridade heráldica que, teoricamente, todos os súditos do rei tinham que obedecer. A criação de um programa heráldico monumental fez esta submissão visível. 
A legislação heráldica portuguesa garantia este controle real, concedendo a coroa o direito de decidir a quem era permitido portar armas (Lei de Afonso V em 1476). Além disso, criou-se uma autoridade central (Portugal Rei de Armas), que decidia que armas eram pertencentes a quem, ao mesmo tempo que mantinham um controle rígido sobre a exibição das próprias armas reais (lei de 1521). Era oficialmente proibido representá-las sem a permissão explícita do rei.