segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Heráldica Atribuída: Princesa Branca de Neve

Houve uma vez, num reino distante, um certo rei. Este rei teve de sua primeira esposa apenas uma filha. A Rainha era uma mulher muito bondosa, sempre pronta a ajudar as pessoas do reino. Numa noite de Inverno, a rainha caminhava pela neve, quando viu uma bela rosa. Ao tocá-la, foi ferida e três gotas de sangue saíram de seu dedo. A boa rainha então falou: 
-Ah, como eu queria ter uma filha, e que ela tivesse os lábios vermelhos como o sangue, o cabelo negro como a noite, e a pele branca feito a neve. 
E logo o pedido da rainha foi atendido, e nasceu uma princesa naquele reino. Assim como a rainha pedira, a menina nasceu. Ela tinha os lábios vermelhos como o sangue, os cabelos negros como a noite e a pele branca feito neve. Deram-lhe o nome de Schneewittchen. Em nossa língua, Branca de Neve. 
Mas pouco tempo depois, uma doença tirou a vida da boa rainha, que infelizmente não pode ver a bela princesa crescer. O Rei então voltou a casar-se, com outra mulher muito bela. Dizia-se que essa nova esposa praticava feitiçarias, pois nunca antes sua majestade fora tão completamente submisso a uma mulher. 
Feitiçaria ou não, algum tempo após o casamento, morreu também o Rei, deixando sua nova rainha como regente, e a pequena Branca de Neve, Órfã. Apesar da menina ser a legítima herdeira do Reino, cabendo à sua madrasta apenas conseguir-lhe um marido para manter viva a linhagem real, Branca cresceu sem nunca ter papel ativo no reino. A Rainha, opulenta e ambiciosa, comandava o reino a seu bel-prazer, vendo tudo o que acontecia em seu espelho mágico. Este espelho possuía vida. Talvez a alma de um antigo feiticeiro ou algo assim. Todos os dias, a megera ia até o tal espelho e perguntava. 

-Espelho, espelho meu: Existe alguém mais bela do que eu? 
O espelho, que tudo podia ver, respondia sempre: 
-Não, Milady, Vossa Majestade é a mais bela de todas. 

Os anos foram passando, a menina Branca tornou-se uma donzela, tão gentil e bondosa quanto sua mãe. Claro, o espelho tomou conhecimento de sua beleza. E um dia, quando a Rainha fez sua tradicional pergunta: 
-Espelho, espelho meu: Existe alguém mais bela do que eu? 
O espelho deu uma resposta diferente: 
-És muito bela, Milady. Mas a princesa Branca de Neve é agora a mais bela de todas. 
De forma alguma! Nunca permitiria que seu poder fosse tomado. Nunca permitiria que aquela menina lhe tomasse nada, nem que tivesse nada. Menos ainda a beleza! Fervendo de ódio, fez chamar o chefe da guarda real, exímio caçador e amigo pessoal do finado rei, e deu-lhe uma ordem extremamente cruel. 
-Caçador, atendei a minha ordem. Leva a princesa Branca de Neve para a Floresta, mata-a e como prova traz-me nesta urna de prata o coração dela.
O homem recebeu a urna e saiu. No entanto, como mataria a herdeira legítima do Reino? Que ordem absurda era aquela? 
Foi até os aposentos da princesa e a chamou para irem até a Floresta. Quando chegaram em um local suficientemente afastado, a moça perguntou: 
-Senhor caçador, para onde vamos? e para que trazes esta urna? 
Com voz preocupada, o caçador falou à jovem princesa. 
-Branca de Neve, fuja agora. A Rainha está louca. Ela quer vê-la morta, hoje mesmo pediu-me o vosso coração. Pediu que eu a matasse e levasse vosso coração nesta urna. Em nome do Rei seu pai, jamais faria isso. Fuja agora enquanto pode. Fuja para outro reino onde pode ser acolhida, fuja para longe do castelo da rainha má e assassina. Fuja! 
O caçador então afastou-se dela, saindo em busca de um animal selvagem. Achou um javali. Matou-o, e arrancando o coração do animal, colocou-o na urna de prata e levou para a rainha, que ficou extremamente satisfeita. 
Branca, horrorizada com aquela revelação, fugiu. Com medo, fugia e chorava. Correu e chorou pela floresta por toda a noite. Estava exausta, faminta e morrendo de medo. Quando já pensava em dormir encostada num tronco qualquer, viu uma pequena casa.
Aproximou-se e bateu na pequena porta. Estava aberta, então entrou, desesperada por ajuda. Na casa era tudo pequeno, desde os pratos e as cadeiras até as prateleiras e mesmo as camas. Tudo multiplicado por sete. Branca comeu as sobras de um mingau que estavam no fogo, juntou as sete caminhas, e esgotada depois de uma noite horrível de fuga e choro, deitou-se e dormiu. 
Naquela casa moravam sete anões que trabalhavam numa mina próxima. Voltando do trabalho, encontraram sua casa aberta, sua comida esvaziada e uma estranha moça dormindo em suas camas. 

Ao acordar, Branca contou-lhes sua triste história. Os anões, apiedados da história da princesa, permitiram que ela ficasse. 
Enquanto isso, no palácio real, a rainha foi até seu espelho. Não haveria mais dúvida agora. Branca de Neve fora morta na noite anterior. Ela seria a mais bela mulher do reino. Para a sua surpresa, o espelho respondeu: 
-A princesa Branca de Neve, Milady, é ainda a mais bela de todas. Sua alteza ainda vive, na casa dos anõezinhos que trabalham nas minas. 
Furiosa e vingativa, a Rainha má decidiu dar um fim em Branca de Neve ela própria. Disfarçou-se de velhinha vendedora de maçãs e foi até a floresta naquela noite. Levava consigo uma cesta de frutas, e uma delas estava envenenada. 
Branca de Neve, sem saber o que a aguardava, ficou na casa dos anões enquanto estes foram cumprir sua jornada diária nas minas. Naquela noite, uma velhinha bateu à porta.
-Minha filha... poderia por gentileza comprar uma maçã desta pobre velhinha? - a Rainha, disfarçada, ofereceu a maçã à jovem princesa. 

-Perdoe-me senhora, mas também sou pobre. Não tenho nem uma moedinha para lhe dar... - Branca, entristecida por não poder ajudar a "pobre senhora em necessidade", respondeu. 
-Oh... Mas que menininha honesta. E é tão bela... Por tanta honestidade e tanta beleza, merece mesmo que eu dê-lhe de graça! Vamos, pegue e dê uma dentada! - A rainha gargalhava por dentro quando ofereceu a fruta envenenada à princesa. 
Quando Branca de Neve mordeu a maçã, o veneno a derrubou de imediato. A rainha se afastou com uma gargalhada cínica: 
-BRANCA DE NEVE! JÁ NÃO ÉS A MAIS BELA! 
Na manhã do outro dia, quando os anões chegaram encontraram Branca de Neve desmaiada. Julgando-a morta, prantearam todo o dia. 
-Não podemos deixa-la sobre a terra fria - disse um dos anões. 
Os homens construíram então um caixão de cristal para Branca de Neve. Escreveram nele, em filigrana de ouro, que aquela era a filha do finado rei. Carregaram o esquife até a floresta e a seu lado puseram um escudo. 

Nesse meio tempo, o caçador conseguiu alertar os nobres do reino sobre as intenções da Rainha. Houve grande comoção e vários cavaleiros passaram a procurar pela floresta, tentando achar a princesa. Entre eles, o jovem príncipe de um reino vizinho.
 
Cavalgando pela floresta, o jovem encontrou a urna de cristal e à volta dela os anõezinhos. A jovem que jazia dentro do caixão era bela. Aqueles cabelos, aqueles lábios e aquela pele eram inconfundíveis. Aquela era Branca de Neve. O príncipe ficou encantado. Mas ela já estava morta? Como podia? A morte não lhe fazia efeito. Continuava bela e vívida. O Rapaz não se conteve. Destampou o caixão e beijou-a. 
Como se fosse um milagre, Branca de Neve acordou. Para a alegria dos anões e dos animais da floresta, a princesa não estava morta. Branca de Neve então foi levada até o reino vizinho, onde recebeu o apoio e o juramento de lealdade de seus nobres. Marcado o casamento, a hoste dos nobres leais ao velho rei, engrossada pelas tropas do reino vizinho, invadiu e retomou o palácio, expulsando a rainha má. 
Meses depois, Branca de Neve e o Príncipe se casaram, e o Reino voltou a viver em completa paz e harmonia.

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É um bonito conto de fadas, escrito sob a supervisão da minha irmã de dez anos. A última figura, da Branca de Neve em seu caixão de cristal, com um escudo ao lado. Esse escudo, obviamente fictício, foi desenhado na imagem pela artista austríaca Marianne Stokes. Acho que dá pra supor algumas coisas a partir da leitura.

1. Para haver príncipes de reinos vizinhos, o reino da Branca de Neve deveria ser um pequeno Reino integrante do Sacro Império, por volta dos anos 1400 ou 1500.

2. O escudo na imagem é realmente um escudo, e não uma lisonja ou escudo oval, então essas devem ser as fictícias armas do finado Rei, pai de Branca, e por consequência, do reino.

3. Os irmãos Grimm eram alemães, mais precisamente da região central da Alemanha Atual (Hesse), uma área que era consideravelmente fragmentada na época do Sacro Império.

Assim sendo, e pensando em Branca de Neve como única herdeira, já que não havia filho homem para herdar os títulos ou brasões, pelo menos até que ela gerasse um filho, podemos considerar que essas são as próprias armas de solteira de Branca, Princesa de ???


Armas da Princesa Branca de Neve, segundo Marianne Stokes:
Partido. 1 de ouro, chefe de negro carregado de uma coroa antiga
do primeiro. 2 de vermelho, com uma brica de ouro
Este artigo foi inspirado no post "Blancanieves" do blog Dibujo Heráldico, mas minha irmã disse que eu tinha de escrever a história direito. E saiu isso.

Um feliz dia das crianças a todos os filhos, sobrinhos, netos e primos de heraldistas!

domingo, 11 de outubro de 2015

Aniversário de Campina Grande, Paraíba

Campina Grande, uma das cidades mais importantes do estado da Paraíba e da Região Nordeste do Brasil, completa hoje, dia 11 de outubro, 151 anos.

Como minha pequena homenagem, deixo minha versão das armas da cidade, que eu fiz há um par de anos atrás e tinha salvo por aqui.
Armas da cidade de Campina Grande: De verde, uma asna de ouro
acompanhada de três espadas do mesmo. Timbre: Coroa Mural de Cidade.

Divisa: Solum Inter Plurima (Única entre Muitas)

Feliz aniversário à Rainha da Borborema.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Uma questão de proporção

Desenhar brasões tem sido meu hobby há um bom tempo. E apesar de parecer fácil, depois que se pega o jeito com os softwares de desenho, com a linguagem e com as regras heráldicas, às vezes pequenos detalhes podem complicar toda uma criação, ou por vezes até torná-la inviável, precisando ser refeita. Acho que o principal exemplo disso é quando eu trabalho com proporções.

Muitas vezes, entre uma e outra fonte há diferenças de proporção nos escudos. Vera Lúcia Bottrel Tostes, em seus Princípios de Heráldica, e Luís Marques Poliano, em seu Heráldica, defendem que o escudo, independente da forma, deve possuir sempre a proporção de oito de altura por sete de largura.

Essa proporção é a que aparece, por exemplo, nos Brasões desenhados no Arquivo Nobiliárquico Brasileiro dos Barões Vasconcelos.
Armas Imperiais do Brasil, no ANB.

Outras fontes, dentre as quais os blogs da Comunidade Heráldica Espanhola, defendem a proporção de seis de altura por cinco de largura. Seis por cinco é inclusive a proporção adotada para o desenho oficial das armas de SM o Rei Felipe VI da Espanha, de acordo com o Decreto que as concede.

Armas sugeridas para a Heráldica, por Carrión Rangel.
Curioso com essa dicotomia, eu fui pesquisar as proporções dos escudos através dos séculos. Antigamente, os escudos eram mais longilíneos. Basta um bom filme de cruzadas ou um livro com gravuras e iluminações medievais.
Infantaria Italiana 1000-1300. Ilustração de Ian Heath.

Nos anos 1500, considerados o auge da Heráldica Portuguesa, os escudos ibéricos tinham a proporção de 6 por 5. Essa proporção parece ter sido abandonada depois em Portugal e no Brasil, tendo sido substituída pela proporção francesa de 8 por 7. Assim sendo, no Brasil Império esta segunda é que era utilizada.
Qual das duas lhes parecem mais correta?

Pensando em conceitos como tempo, tradição, momento histórico da heráldica e na própria figura física do escudo, decidi manter, nos meus desenhos heráldicos, as duas proporções. Quando produzindo escudos ibéricos (boleado, português, espanhol), manterei a proporção de 6 por 5, por ser a atualmente utilizada pela única autoridade exclusivamente heráldica oficialmente em funções na península ibérica, o Cronista de Armas de Castela e Leão. Para os escudos no estilo Samnítico (Francês, ou como eu carinhosamente apelidei, Brasileiro), manterei a proporção de 8 por 7. No fim das contas tudo depende do armigerado a ser representado. Sua origem, sua história, et cetera.