quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Um livro mais ou menos sobre heráldica

De enrolações e descrições carregadas de pseudo-significados, a Heráldica brasileira segue tendo inveja das demais. Na mesma era histórica de Dom Felipe VI normatizou o escudo do Rei de Espanha, trazendo de volta o histórico púrpura para o Reino de León, na minha Paraíba natal, o livro de heráldica mais conhecido é cheio de erros e incorreções.

Sendo encontrado por 10 reais em sebos e livrarias online, Brasão d'armas do Judiciário da Paraíba não deixa de ser uma boa cartilha para iniciantes, de fato. No entanto, falta-lhe em muitos pontos a sensibilidade de um heraldista, deixando passar citações absurdas como:

"Sobre campo de blau esmaecente"
O autor tenta justificar uma escolha estilística no brasão. "No afã de bem decifrar tudo", como dito no resumo do livro, o autor descreve que o brasão possui um degradê. Algo que está totalmente fora de questão em temos de brasonamento. Na entrada sobre brasonar e embrasonar, eu expliquei que um brasão tenciona ser único, independente de como seja embrasonado. É desnecessário descrever que há um degradê num brasão, primeiro porque não é de bom gosto, e segundo porque nem sempre se pode brasonar um gradiente. Um brasão deve ser regular, simples e completo. O autor nos traz isso no texto, mas não é o que apresenta no brasão, infelizmente.

"Assumindo a forma de um scudo con incavati al capo"
Novamente, a escolha estilística está impressa no brasão, o que é desnecessário.

"Peça única, honrosa de primeira classe, em chefe, atravessando até o contrachefe e formada por três subpeças... (segue a descrição da espada, balança e tábuas da lei)"
Esta é a pior das sandices que li nesse livro. As peças que geralmente se consideram de primeira classe são a faixa, a pala, o sautor, a banda, e a cruz (às vezes acrescida uma ou retirada uma destas) Isto que aparece não são peças heráldicas, e sim um amálgama de figuras desenhadas de forma pseudo-heráldica.

Se é para criar uma versão destas armas, corrigida, eu iria com o seguinte brasão:


De azul, uma espada da qual pendem dois pratos de balança, tudo de ouro. Brocante duas tábuas da lei do mesmo, carregadas das divisas IVS e LEX, respectivamente. Nos cantões do chefe, duas flores-de-lis de prata. Suportes dois feixes de prata. Listel de vermelho com a divisa OPVS IUSTITIÆ PAX.
Evidentemente mais simples, mas ainda regular e completo.

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Os Aleriões de Montmorency

Comprei recentemente um novo livro. "Heráldica", de Alejandro Armengol y Pereyra, é o primeiro livro de heráldica em outro idioma que eu compro. A edição de 1933 é em espanhol, no qual felizmente não tenho maiores dificuldades na leitura.
Alerião.

Falando em Aleriões, que são figuras heráldicas similares às águias, mas desprovidas de patas ou bico, Armengol nos traz as armas dos Montmorency, tradicional família francesa do Antigo Regime, com uma pequena história, que vou contar à minha maneira, assim como já fiz com os Arminhos da Bretanha e com a Ordem da Liga. Desculpem lá se eu fantasiar muito.


O ano é 1214, dia 27 de Julho. Após doze anos de batalhas contra inimigos da Inglaterra, do Sacro Império e da Flandres, o Rei Felipe II da França finalmente vencera a Guerra na batalha de Bouvines. Os homens recuperavam-se dos ferimentos quando Mathieu de Montmorency chegou. Era um dos líderes mais feridos, mas mantinha-se em pé, mesmo sangrando. E ainda mais, trazia consigo doze estandartes imperiais (de Ouro, uma águia de negro) tomadas em combate.
 Ao receber aqueles espólios, Felipe molhou o dedo no sangue de Mathieu e passou na cruz branca de seu escudo.
- Em recompensa pela tua bravura, quero que leve agora uma cruz de gules em vez da de prata. E adicione aos seus quatro aguilhões mais doze, em recordação das bandeiras que me trouxeste.
 Segundo Armengol, as armas antigas de Montmorency eram de ouro, com uma cruz cosida de prata, cantonada de quatro aleriões. Armengol diz que o escudo é cosido de prata, e só depois que o rei pinta a cruz com o sangue de Mathieu ele passa a gules. No entanto, as armas de Montmorency mais ancestrais, de um ancestral chamado Thibaud, que viveu por volta do fim do século XI, já eram de ouro, com uma cruz de gules. Mathieu II, o personagem de nossa história, levava antes de Bouvines apenas quatro aleriões no escudo, como seu avô Mathieu I. As novas armas dos Montmorency, as quais se seguiram pelos tempos são:
De ouro, uma cruz de gules, acantonada de dezesseis aleriões de azure, postos 2 e 2.
Armas de Montmorency.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Brasonar e Embrasonar

A palavra Brasão, no meu entendimento, se refere aos itens que formam as armas, independentemente do desenho. Por isso, eu considero mais importante diferenciar brasonar de embrasonar.

Brasonar significa criar um brasão, posto que ele é o item formador das armas. Por exemplo: Se eu digo que tenho um brasão com uma cruz verde sobre um campo branco, e nos espaços deixados pela cruz eu tenho quatro Flores de Lis também verdes, eu estou brasonando, porque essa é a definição daquelas armas.

Brasonar é algo relativamente simples depois que você aprende o vocabulário próprio. Mas se você não sabe, não há mal, afinal sempre há a capacidade de embrasonar.

Embrasonar é representar visualmente o brasão. Isso pode ser feito de inúmeras maneiras. Pintura, escultura, gravação em metal, desenho, xilogravura, impressão, colorido, preto e branco, em pedra, papel, vidro... Eu poderia passar uma semana falando e não pararia de encontrar meios e materiais satisfatórios para a representação heráldica. Vamos pensar naquelas armas que dissemos antes.

De prata, uma cruz de verde, acantonada de quatro Lises do mesmo.

Vamos embrasonar.

E vamos embrasonar de novo.

Mais uma:

Só mais uma, para finalizar.
Vetor utilizado como base aqui. CC-BY-SA

Um brasão é, ou ao menos tenciona ser, algo único por si, independente da forma como esteja reproduzido. O que permite que um único brasão gere inúmeras formas diferentes de embrasonar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Escudo Hyliano (Legend of Zelda)

Eu nunca fui muito dos videogames. Durante a minha infância, não era muito chegado em entretenimentos eletrônicos que não fossem a televisão. Aos onze ou doze anos, quando ganhei meu primeiro console, os jogos eram tão atrasados que nem valiam muito a pena. Depois acabei me dedicando mais aos estudos e os jogos de computador ganharam minha atenção.

Aos dezesseis ou dezessete ganhei meu segundo e último console, um PS2, da Sony. Está parado, defeituoso, na oficina do meu pai. De vez em quando, curto uma jogatina, mas para isso, uso o computador mesmo.

Como aficionado em heráldica, acabei me tornando o chato quando se fala em escudos de jogos. Escolher o escudo do meu personagem é, na maioria das vezes, um exercício de paciência. Eu me pego pensando em coisas como: Onde estão as flores de lis? Quem foi o mal-informado que criou a heráldica desse jogo? Alguém poderia editar isso para colocar um escudo decente?

Não joguei este Crusader Kings, mas só por ter alguns brasões corretos, já ganhou pontos comigo!
E em se referindo a escudos em games, acho que não existe um escudo mais icônico do que o Escudo azul dos cavaleiros Hylianos, de Legend of Zelda. Sim, aquele que o protagonista da maioria dos jogos, Link, usa em suas aventuras.


Este escudo é heraldicamente simples. Apesar do visual rebuscado, é preciso lembrar que todas as partes de metal não fazem parte do brasão, servindo apenas como adorno ou proteção para as bordas de metal do escudo, presas por rebites de metal.

Na descrição em um dos jogos, diz-se o seguinte:
Um escudo com a insígnia Hyliana. Defenda-se de ataques com (Z). É metal, e não vai queimar.
Além da Insígnia Hyliana, há ainda o símbolo da Triforce, que são três triângulos dourados. Sobre esses, fui pesquisar um pouco mais em como brasoná-lo. Procurei o Xavier Garcia, sábio da Heráldica Digital Ibérica. Ele me informou de duas coisas. Primeiro que a insígnia Hyliana em vermelho sobre campo azul feria primeira regra da heráldica. Bem, isto eu sabia, e já estava preparado para brasonar um cosido. E segundo, que para triângulos assim, usa-se o termo justapostos.

EM TEMPO: Conversando, nos comentários de uma publicação relativa a esse post no Facebook, com outro heraldista brasileiro, o Danilo Martins, acabei descobrindo que há um termo na Heráldica Portuguesa que funciona melhor que justaposto, que é "Unido."

Assim sendo, podemos descrever o brasão da Guarda Hyliana como:
De Azur uma insígnia hyliana cosida de Gules, acompanhada em chefe de três triângulos, unidos 1-2.


Heraldicamente incorreto, infelizmente. Esse escudo viola a primeira regra da Armaria: Proíbe-se usar peças de cor sobre cor ou de metal sobre metal. Para corrigir isso, eu recorreria ao artifício usado originalmente para decoração, tornando a insígnia Hyliana de prata.


E então, o que acharam da ideia? Nos próximos posts, segue a série sobre como se tornar um armoriado

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Gentilezas Heráldicas (5)

Esse é o post de número 50 deste blog. Pra ser sincero, eu adoro escrever aqui, apesar dos poucos visitantes. Sentir que meu conhecimento está sendo ao menos um pouco compartilhado me anima a sentar diante do computador e escrever uma coisa nova todo dia.

Outra coisa que eu gosto é quando desenham as minhas armas para mim. Acho que isso que chamam de vaidade heráldica. E isso geralmente me dá a oportunidade de devolver a gentileza, desenhando algo com as armas pessoais desta pessoa.

Dessa vez ganhei um desenho do Jon Sneddon, heraldista e membro do grupo da International Heraldry Society no Facebook.


Como será que ele adivinhou que eu adoro justas? Não, brincadeira. Os desenhos dele geralmente são assim mesmo, de cavaleiros montados.

Para retribuir, fiz algo bem simples, com mais significado que apuramento, para ser sincero.
As armas dele são bem bacanas.
De prata, três lisonjas de sable bem-ordenadas; chefe ondeado de azure, carregado de três flocos de neve de prata em pala.
E fica, claro, aos improváveis leitores (fazendo a minha imitação do Carrión Rangel) o aviso. Quem quiser um desenho de suas armas pessoais, basta desenhar as minhas. Entrará nesta tediosa seção deste tedioso blog.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Como ter um brasão de armas? Conceitos básicos, genealogia e assunção.

Desde que eu me tornei um aficionado por heráldica, vez por outra as pessoas me perguntam se elas tem armas, se a família delas tem armas, ou se elas podem criar novas armas para si próprias.

A resposta definitiva: É possível que sim.

É possível que a sua família tenha herdado algum brasão ancestral sim, dependendo da sua localização geográfica e da sua genealogia. Se você realmente está interessado em armas historicamente corretas e genealogicamente provadas, você terá que pesquisar bastante. Documentos, certidões, ofícios de registro civil e religioso, paróquias, bibliotecas, arquivos. Descobrir informações sobre os seus ancestrais e torcer para que algum deles, no passado, tenha ganho, registrado ou mesmo assumido armas pessoais.

Nesse momento, a pesquisa genealógica vai ser importante para definir que brasão você tem direito, e sob que circunstâncias. Na heráldica portuguesa, para assumir armas com referencial histórico, fala-se em quebras de varonia. Uma quebra de varonia é um ancestral do sexo feminino em linha direta entre você e o ancestral que possuiu armas. Considera-se que você tem direito àquelas armas desde que haja no máximo três quebras de varonia.

Se você chegar a um ancestral com armas registradas em Portugal ou no Império, tendo cumprido também as regras das quebras de varonia, então você pode legalmente assumir estas armas, com um diferencial que lhe caiba.
Esquartelado, I e IV de Faria; II e III de Lúcio. Por diferença um escudete de verde semeado de lises de ouro. Timbre de Farias. 
Estas armas, apresar de exibirem os meus sobrenomes, não estão de fato corretas. Como eu já copiei e colei algumas vezes no Heráldica Brasil, bom lembrar, que é um erro pensar que existem "Brasões de Sobrenome". O que existe é o BRASÃO PESSOAL, que passa de pais para filhos, pela descendência direta. Não é porque eu tenho o sobrenome de alguém que usava esse brasão que eu vou ter direito a usá-lo. A pesquisa genealógica é fundamental para adotar armas por herança.

Agora, se você estiver mais interessado na heráldica que na genealogia, ou quiser criar um brasão inteiramente novo, pode passar direto dessa parte e assumir suas próprias armas.

De verde, semeado de lises de ouro. Timbre: Um arminho natural coroado de ouro, saltante.

É possível assumir armas pessoais na maior parte dos países, onde não há um órgão regulador para heráldica. No entanto, se você estiver por exemplo no Reino Unido, você não pode fazê-lo sem a autorização do College of Arms ou da Lyon Court (na Escócia), ou pode ser preso por sonegação fiscal, partindo do princípio que nestes países você deve pagar uma taxa para ter suas armas registradas.

Sabendo disso, você pode começar nas armas que irá usar. Pense bem nelas, afinal é algo que vai representa a você mesmo. Nos próximos posts, trarei mais informações a respeito de formas, cores e desenhos, além de assuntos como registros e autoridades heráldicas.

Fiquem atentos!


sábado, 9 de janeiro de 2016

Manicongo (Rei do Congo)


Mais cedo, apareceu em um dos grupos de Heráldica que frequento um desenho das armas do Rei de Manicongo, cujo Brasão eu descrevi, pelo desenho, como sendo:
De vermelho, cinco braços armados de prata com espadas, postos em sautor. Chefe cosido de azul carregado de uma cruz flordelisada de prata, acompanhada de quatro vieiras de ouro. Ponta embutida de prata, carregada de um escudete de azul, carregado de 5 besantes de prata em sautor, ladeado por dois ídolos de sua cor partidos ao meio.

O Rei de Manicongo, expressão pleonástica, pois na língua nativa o título é Manwe Kongo, teve um primeiro contato com os portugueses por volta de 1483, numa expedição de Diogo Cão. Possivelmente impressionado com a cultura europeia, o então Rei do Congo converteu-se ao cristianismo, e passou a imitar os costumes portugueses, construindo igrejas e palácios. Este Rei recebeu de D. Manuel de Portugal (que era um grande interessado em Heráldica) uma carta de armas, que pode ser lida aqui, a partir do segundo parágrafo.

Dessa vez minha paciência para desenho heráldico não deu para desenhar os ídolos, afinal eu não sou bom com figuras mais complexas, então usei um vetor do Ssire, licenciado via Creative Commons. Fica a minha versão das armas de Manicongo.




Na segunda metade dos anos 1600, um francês a serviço de Portugal, Alain Manesson Mallet,  esteve viajando pelo mundo conhecido, e em seu livro Description de l'univers, apresenta para o Congo umas armas, às quais encontrei sendo vendidas no Ebay pintadas da seguinte forma:


Estranhei. O campo de linhas verticais para vermelho estava correto. Mas os escudetes não poderiam ser de ouro. Faltavam ali os pontilhados que indicam a cor de ouro nos escudos. Presumi que eram de prata, e para tirar a dúvida fui em busca da fonte. No Description de l'Univers, encontrei-a, agora corretamente:
de Gueules, à la croix d'argent cantonée de quatre escussons de mesme chacun chargé de cinq tourteaux de sable posé en sautoir.
Traduzindo:
De gules, uma cruz de prata, acantonada de quatro escudetes do mesmo, cada um deles carregado de 5 torteaux (besantes de sable) postos em sautor.


Assim sendo, a versão correta seria assim:



No entanto, ainda no mesmo parágrafo, outros falam da seguinte forma as armas do Congo.

de Gueules, à la croix flouronée d'argent, chargée en cœur d'un escusson d'Azur chargé de cinq besants d'Argent posé en sautoir à la bordure d'Azur chargé dans chaque angle de deux Coquilles d'Or.
Traduzindo:
De gules, uma cruz flordelisada de prata, carregada de um escudete de azur carregado de cinco besantes de prata postos em sautor. Bordadura cosida de azul carregada em cada ângulo de duas vieiras de ouro.
Nesse, para ser sincero eu fiquei com alguma dúvida. O brasonamento diz dois em cada ângulo, então o escritor pode ter considerado como ângulos apenas os cantões do chefe, já que o escudo ibérico usualmente tem pontas arredondadas. De toda forma, considerei os cantões da ponta como ângulo também. Minha versão ficou assim.


sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Ainda falando de Micronacionalismo

Nessa minha estadia nas tais micronações, deu vontade de escrever um pouco sobre heráldica. De passar informação para o pessoal e tal. Nesse fim de ano fiz uma coisa daquelas que chamam de Fanzine. Experimentem uma lida, se interessar:


quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Durante o hiato


Olá, improváveis leitores.



Este meu blog é um blog que vive em hiato, tal e qual o meu blog preferido, o Crónicas Heráldicas, do espanhol Juan José Carrion-Rangel. Posto algumas coisas durante uns dias, depois me afasto das postagens, volto e paro e volto e assim vou levando. Até por isso ele não tem muitas visitas.



Durante esses últimos meses tive alguns contratempos que me impediram de desenhar bastante, mas agora estou começando a tentar coisas novas com os softwares gráficos. Continuo sem ser grande coisa, mas agora já uso bem menos os vetores da Wikimedia Commons.

Ilustrando o post, seguem algumas armas que desenhei ou idealizei nos últimos tempos. Boa parte destas, de fantasia, para membros de estados do Micronacionalismo, um hobby que tem recebido bastante da minha atenção, e que traz muitos curiosos para os estudos de Heráldica.