segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Heráldica Atribuída: Princesa Branca de Neve

Houve uma vez, num reino distante, um certo rei. Este rei teve de sua primeira esposa apenas uma filha. A Rainha era uma mulher muito bondosa, sempre pronta a ajudar as pessoas do reino. Numa noite de Inverno, a rainha caminhava pela neve, quando viu uma bela rosa. Ao tocá-la, foi ferida e três gotas de sangue saíram de seu dedo. A boa rainha então falou: 
-Ah, como eu queria ter uma filha, e que ela tivesse os lábios vermelhos como o sangue, o cabelo negro como a noite, e a pele branca feito a neve. 
E logo o pedido da rainha foi atendido, e nasceu uma princesa naquele reino. Assim como a rainha pedira, a menina nasceu. Ela tinha os lábios vermelhos como o sangue, os cabelos negros como a noite e a pele branca feito neve. Deram-lhe o nome de Schneewittchen. Em nossa língua, Branca de Neve. 
Mas pouco tempo depois, uma doença tirou a vida da boa rainha, que infelizmente não pode ver a bela princesa crescer. O Rei então voltou a casar-se, com outra mulher muito bela. Dizia-se que essa nova esposa praticava feitiçarias, pois nunca antes sua majestade fora tão completamente submisso a uma mulher. 
Feitiçaria ou não, algum tempo após o casamento, morreu também o Rei, deixando sua nova rainha como regente, e a pequena Branca de Neve, Órfã. Apesar da menina ser a legítima herdeira do Reino, cabendo à sua madrasta apenas conseguir-lhe um marido para manter viva a linhagem real, Branca cresceu sem nunca ter papel ativo no reino. A Rainha, opulenta e ambiciosa, comandava o reino a seu bel-prazer, vendo tudo o que acontecia em seu espelho mágico. Este espelho possuía vida. Talvez a alma de um antigo feiticeiro ou algo assim. Todos os dias, a megera ia até o tal espelho e perguntava. 

-Espelho, espelho meu: Existe alguém mais bela do que eu? 
O espelho, que tudo podia ver, respondia sempre: 
-Não, Milady, Vossa Majestade é a mais bela de todas. 

Os anos foram passando, a menina Branca tornou-se uma donzela, tão gentil e bondosa quanto sua mãe. Claro, o espelho tomou conhecimento de sua beleza. E um dia, quando a Rainha fez sua tradicional pergunta: 
-Espelho, espelho meu: Existe alguém mais bela do que eu? 
O espelho deu uma resposta diferente: 
-És muito bela, Milady. Mas a princesa Branca de Neve é agora a mais bela de todas. 
De forma alguma! Nunca permitiria que seu poder fosse tomado. Nunca permitiria que aquela menina lhe tomasse nada, nem que tivesse nada. Menos ainda a beleza! Fervendo de ódio, fez chamar o chefe da guarda real, exímio caçador e amigo pessoal do finado rei, e deu-lhe uma ordem extremamente cruel. 
-Caçador, atendei a minha ordem. Leva a princesa Branca de Neve para a Floresta, mata-a e como prova traz-me nesta urna de prata o coração dela.
O homem recebeu a urna e saiu. No entanto, como mataria a herdeira legítima do Reino? Que ordem absurda era aquela? 
Foi até os aposentos da princesa e a chamou para irem até a Floresta. Quando chegaram em um local suficientemente afastado, a moça perguntou: 
-Senhor caçador, para onde vamos? e para que trazes esta urna? 
Com voz preocupada, o caçador falou à jovem princesa. 
-Branca de Neve, fuja agora. A Rainha está louca. Ela quer vê-la morta, hoje mesmo pediu-me o vosso coração. Pediu que eu a matasse e levasse vosso coração nesta urna. Em nome do Rei seu pai, jamais faria isso. Fuja agora enquanto pode. Fuja para outro reino onde pode ser acolhida, fuja para longe do castelo da rainha má e assassina. Fuja! 
O caçador então afastou-se dela, saindo em busca de um animal selvagem. Achou um javali. Matou-o, e arrancando o coração do animal, colocou-o na urna de prata e levou para a rainha, que ficou extremamente satisfeita. 
Branca, horrorizada com aquela revelação, fugiu. Com medo, fugia e chorava. Correu e chorou pela floresta por toda a noite. Estava exausta, faminta e morrendo de medo. Quando já pensava em dormir encostada num tronco qualquer, viu uma pequena casa.
Aproximou-se e bateu na pequena porta. Estava aberta, então entrou, desesperada por ajuda. Na casa era tudo pequeno, desde os pratos e as cadeiras até as prateleiras e mesmo as camas. Tudo multiplicado por sete. Branca comeu as sobras de um mingau que estavam no fogo, juntou as sete caminhas, e esgotada depois de uma noite horrível de fuga e choro, deitou-se e dormiu. 
Naquela casa moravam sete anões que trabalhavam numa mina próxima. Voltando do trabalho, encontraram sua casa aberta, sua comida esvaziada e uma estranha moça dormindo em suas camas. 

Ao acordar, Branca contou-lhes sua triste história. Os anões, apiedados da história da princesa, permitiram que ela ficasse. 
Enquanto isso, no palácio real, a rainha foi até seu espelho. Não haveria mais dúvida agora. Branca de Neve fora morta na noite anterior. Ela seria a mais bela mulher do reino. Para a sua surpresa, o espelho respondeu: 
-A princesa Branca de Neve, Milady, é ainda a mais bela de todas. Sua alteza ainda vive, na casa dos anõezinhos que trabalham nas minas. 
Furiosa e vingativa, a Rainha má decidiu dar um fim em Branca de Neve ela própria. Disfarçou-se de velhinha vendedora de maçãs e foi até a floresta naquela noite. Levava consigo uma cesta de frutas, e uma delas estava envenenada. 
Branca de Neve, sem saber o que a aguardava, ficou na casa dos anões enquanto estes foram cumprir sua jornada diária nas minas. Naquela noite, uma velhinha bateu à porta.
-Minha filha... poderia por gentileza comprar uma maçã desta pobre velhinha? - a Rainha, disfarçada, ofereceu a maçã à jovem princesa. 

-Perdoe-me senhora, mas também sou pobre. Não tenho nem uma moedinha para lhe dar... - Branca, entristecida por não poder ajudar a "pobre senhora em necessidade", respondeu. 
-Oh... Mas que menininha honesta. E é tão bela... Por tanta honestidade e tanta beleza, merece mesmo que eu dê-lhe de graça! Vamos, pegue e dê uma dentada! - A rainha gargalhava por dentro quando ofereceu a fruta envenenada à princesa. 
Quando Branca de Neve mordeu a maçã, o veneno a derrubou de imediato. A rainha se afastou com uma gargalhada cínica: 
-BRANCA DE NEVE! JÁ NÃO ÉS A MAIS BELA! 
Na manhã do outro dia, quando os anões chegaram encontraram Branca de Neve desmaiada. Julgando-a morta, prantearam todo o dia. 
-Não podemos deixa-la sobre a terra fria - disse um dos anões. 
Os homens construíram então um caixão de cristal para Branca de Neve. Escreveram nele, em filigrana de ouro, que aquela era a filha do finado rei. Carregaram o esquife até a floresta e a seu lado puseram um escudo. 

Nesse meio tempo, o caçador conseguiu alertar os nobres do reino sobre as intenções da Rainha. Houve grande comoção e vários cavaleiros passaram a procurar pela floresta, tentando achar a princesa. Entre eles, o jovem príncipe de um reino vizinho.
 
Cavalgando pela floresta, o jovem encontrou a urna de cristal e à volta dela os anõezinhos. A jovem que jazia dentro do caixão era bela. Aqueles cabelos, aqueles lábios e aquela pele eram inconfundíveis. Aquela era Branca de Neve. O príncipe ficou encantado. Mas ela já estava morta? Como podia? A morte não lhe fazia efeito. Continuava bela e vívida. O Rapaz não se conteve. Destampou o caixão e beijou-a. 
Como se fosse um milagre, Branca de Neve acordou. Para a alegria dos anões e dos animais da floresta, a princesa não estava morta. Branca de Neve então foi levada até o reino vizinho, onde recebeu o apoio e o juramento de lealdade de seus nobres. Marcado o casamento, a hoste dos nobres leais ao velho rei, engrossada pelas tropas do reino vizinho, invadiu e retomou o palácio, expulsando a rainha má. 
Meses depois, Branca de Neve e o Príncipe se casaram, e o Reino voltou a viver em completa paz e harmonia.

---

É um bonito conto de fadas, escrito sob a supervisão da minha irmã de dez anos. A última figura, da Branca de Neve em seu caixão de cristal, com um escudo ao lado. Esse escudo, obviamente fictício, foi desenhado na imagem pela artista austríaca Marianne Stokes. Acho que dá pra supor algumas coisas a partir da leitura.

1. Para haver príncipes de reinos vizinhos, o reino da Branca de Neve deveria ser um pequeno Reino integrante do Sacro Império, por volta dos anos 1400 ou 1500.

2. O escudo na imagem é realmente um escudo, e não uma lisonja ou escudo oval, então essas devem ser as fictícias armas do finado Rei, pai de Branca, e por consequência, do reino.

3. Os irmãos Grimm eram alemães, mais precisamente da região central da Alemanha Atual (Hesse), uma área que era consideravelmente fragmentada na época do Sacro Império.

Assim sendo, e pensando em Branca de Neve como única herdeira, já que não havia filho homem para herdar os títulos ou brasões, pelo menos até que ela gerasse um filho, podemos considerar que essas são as próprias armas de solteira de Branca, Princesa de ???


Armas da Princesa Branca de Neve, segundo Marianne Stokes:
Partido. 1 de ouro, chefe de negro carregado de uma coroa antiga
do primeiro. 2 de vermelho, com uma brica de ouro
Este artigo foi inspirado no post "Blancanieves" do blog Dibujo Heráldico, mas minha irmã disse que eu tinha de escrever a história direito. E saiu isso.

Um feliz dia das crianças a todos os filhos, sobrinhos, netos e primos de heraldistas!

domingo, 11 de outubro de 2015

Aniversário de Campina Grande, Paraíba

Campina Grande, uma das cidades mais importantes do estado da Paraíba e da Região Nordeste do Brasil, completa hoje, dia 11 de outubro, 151 anos.

Como minha pequena homenagem, deixo minha versão das armas da cidade, que eu fiz há um par de anos atrás e tinha salvo por aqui.
Armas da cidade de Campina Grande: De verde, uma asna de ouro
acompanhada de três espadas do mesmo. Timbre: Coroa Mural de Cidade.

Divisa: Solum Inter Plurima (Única entre Muitas)

Feliz aniversário à Rainha da Borborema.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Uma questão de proporção

Desenhar brasões tem sido meu hobby há um bom tempo. E apesar de parecer fácil, depois que se pega o jeito com os softwares de desenho, com a linguagem e com as regras heráldicas, às vezes pequenos detalhes podem complicar toda uma criação, ou por vezes até torná-la inviável, precisando ser refeita. Acho que o principal exemplo disso é quando eu trabalho com proporções.

Muitas vezes, entre uma e outra fonte há diferenças de proporção nos escudos. Vera Lúcia Bottrel Tostes, em seus Princípios de Heráldica, e Luís Marques Poliano, em seu Heráldica, defendem que o escudo, independente da forma, deve possuir sempre a proporção de oito de altura por sete de largura.

Essa proporção é a que aparece, por exemplo, nos Brasões desenhados no Arquivo Nobiliárquico Brasileiro dos Barões Vasconcelos.
Armas Imperiais do Brasil, no ANB.

Outras fontes, dentre as quais os blogs da Comunidade Heráldica Espanhola, defendem a proporção de seis de altura por cinco de largura. Seis por cinco é inclusive a proporção adotada para o desenho oficial das armas de SM o Rei Felipe VI da Espanha, de acordo com o Decreto que as concede.

Armas sugeridas para a Heráldica, por Carrión Rangel.
Curioso com essa dicotomia, eu fui pesquisar as proporções dos escudos através dos séculos. Antigamente, os escudos eram mais longilíneos. Basta um bom filme de cruzadas ou um livro com gravuras e iluminações medievais.
Infantaria Italiana 1000-1300. Ilustração de Ian Heath.

Nos anos 1500, considerados o auge da Heráldica Portuguesa, os escudos ibéricos tinham a proporção de 6 por 5. Essa proporção parece ter sido abandonada depois em Portugal e no Brasil, tendo sido substituída pela proporção francesa de 8 por 7. Assim sendo, no Brasil Império esta segunda é que era utilizada.
Qual das duas lhes parecem mais correta?

Pensando em conceitos como tempo, tradição, momento histórico da heráldica e na própria figura física do escudo, decidi manter, nos meus desenhos heráldicos, as duas proporções. Quando produzindo escudos ibéricos (boleado, português, espanhol), manterei a proporção de 6 por 5, por ser a atualmente utilizada pela única autoridade exclusivamente heráldica oficialmente em funções na península ibérica, o Cronista de Armas de Castela e Leão. Para os escudos no estilo Samnítico (Francês, ou como eu carinhosamente apelidei, Brasileiro), manterei a proporção de 8 por 7. No fim das contas tudo depende do armigerado a ser representado. Sua origem, sua história, et cetera.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Gentilezas Heráldicas (IV)

Mais desenhos me chegam dos meus conhecidos heraldistas da América Latina.

O Francisco Cervantes, que recentemente começou um novo blog (O link já está entre os meus favoritos, e deixo aqui meu desejo de boa sorte), me enviou duas imagens equestres das minhas armas. É um estilo de ilustração heráldica que eu gosto muito, e se fosse um bom desenhista, sem dúvida tentaria fazer eu mesmo.





Pensei em enviar algo como retribuição, então fiz uma brincadeira, ou como as lojinhas de clipart chamam, Arte Livre. Originalmente era para ser uma Carta de Brasão com um Brasão comum, mas decidi colocar uma alegoria heráldica com escudo, elmo e bandeira. Segue o desenho.


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Representações pouco vistas das Armas Nacionais (Imperiais)

Para o post de hoje, decidi só juntar algumas imagens que tenho aqui, com representações mais antigas das Armas Imperiais, que geralmente passam despercebidas. Com o tempo, quando eu for encontrando mais delas, o post irá sendo atualizado e ampliado.

Armas Imperiais pintadas num baú. Instituto Ricardo Brennand, Recife. Sem data conhecida.
Armas Imperiais como desenhadas no Cabeçalho da Lei Áurea, 1888.
Armas Imperiais, desenhadas para o Archivo Nobiliarchico Brasileiro, 1918.

Armas Imperiais em destaque na Bandeira do Império do Brasil.
No canto superior esquerdo, há ainda mais uma representação,
suponho que o livro com a capa armoriada seja a constituição.

Não tenho informações sobre esta, mas parece ser
uma pedra armoriada,  pintada em algum lugar.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Xadrez na Heráldica

Esses dias, minha amiga Marina Taborelli, enxadrista, me pediu para "dar uma melhorada" no Brasão de sua Federação Estadual de Xadrez, Mato Grosso, Brasil.

Eu lembrei imediatamente da série "Hoy jugaremos con", assinada pelo Xavier Garcia, do excelente Dibujo Heráldico, e suas tentativas bem-sucedidas de heraldizar marcas e alguns "escudos" de clubes de futebol. Pensando nisso, eu ponderei: Não está tão mal assim. O desenho pode ser ruim, mas brasonamento é decente e até criativo. Esquartelado, I e IV de azul; II e III de ouro. Em chefe duas estrelas, de um no outro. Brocante sobre o todo, um cavalo de xadrez de prata.

Brasão da Federação Matogrossense de Xadrez
Há alguns brasões interessantes com o jogo de xadrez como tema. E inclusive, uma das peças do jogo é bastante vista em algumas heráldicas, como a catalã é a torre, ou em linguagem heráldica, roque. O roque heráldico tem o topo similar à metade superior de uma flor de lis, cerceada de sua pétala do meio, enquanto que sua base é similar a uma peça de xadrez comum.

Roque


Armas de Sant Mori, Catalunha.

Armas da Família Rookwood, Inglaterra.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

As Armas Nacionais do Brasil através dos tempos

Dia da Independência, eu não tinha um post planejado. Não queria ser tão político postando o Brasão Imperial, principalmente quando o Movimento Monárquico Brasileiro anda por caminhos tão confusos.

Mas política a parte, e pra ocupar-me durante o dia fiz uma cronologia dos Brasões (ou ao menos dos escudos) históricos do país.

Blogger, era pra ficar pequeno assim?
Acho que é o Header novo que está muito grande...

Na sequência:

Primeiro, as armas do Estado do Brasil, como vistas no Thesouro da Nobreza, 1675; Provavelmente baseadas nas armas do Lendário Reino de Sobrarbe na Coroa de Aragão, eram armas falantes (ou parlantes como prefira), representando os primeiros nomes do País, Terra de Santa Cruz (Cruz) e Terra do Brasil (A árvore decerto representava um Pau-Brasil).

A Árvore de Sobrarbe aparece no primeiro quartel das armas históricas de Aragão.
Segundo, as armas do Reino do Brasil, 1815. Um fato curioso é que nas armas do Reino Unido, Portugal era representado pelas quinas, os Algarves pela bordadura de castelos e o Brasil pela esfera Armilar que servia de suporte. De fato, uma solução mais patriótica que dizer que a bordadura representava a ascendência castelhana do Rei que a adicionou.

Terceiro, as armas do Reino e depois do Império do Brasil Independente, de 1822.

E por fim, as armas dos Estados Unidos do Brasil, de 1889, mantidas para a República Federativa do Brasil, denominação atual.

-

CORREÇÃO: Hoje (11/09), li o decreto da fundação do Reino Unido, que passo a citar:

“Dom João, por Graça de Deos, Rei do Reino Unido de Portugal, e do Brasil, e Algarves, d’aquém, e d’além mar em Africa, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação e Commercio da Ethiopia, Arabia, Persia e da India, &c. Faço saber aos que a presente Carta de Lei virem: Que tendo sido Servido Unir os Meus Reinos de Portugal, Brasil, e Algarves, para que juntos constituissem, como effectivamente constituem hum só e mesmo Reino; he regular, e consequente o incorporar em hum só Escudo Real as Armas de todos os tres Reinos, assim; e da mesma fórma que o Senhor Rei Dom Affonso Terceiro, de Gloriosa Memoria, Unindo outróra o Reino dos Algarves ao de Portugal, Unio tambem as suas Armas respectivas: E occorrendo que para este effeito o Meu Reino do Brasil ainda não tem Armas, (grifo meu) que caracterisem a sua merecida preeminencia, a que Me Aprouve exalta-lo: Hei por bem, e Me Praz Ordenar o seguinte.
I. Que o Reino do Brasil tenha por Armas huma Esféra Armillar de Ouro em campo azul.(...)"

Assim sendo, fica corrigida a minha falha em dizer que estas eram presumidas, afinal estão claramente citadas no Decreto joanino.

Referência: Carta de Lei, pela qual Vossa Magestade Ha por bem dar Armas ao seu Reino do Brasil, e incorporar em hum só Escudo Real as Armas de Portugal, Brasil, e Algarves, para Symbolo da União, e identidade dos referidos tres Reinos, s/l, Impressão Regia, 1817.


domingo, 6 de setembro de 2015

Armas Coloniais de São Luís do Maranhão

Há alguns dias, o Ralf Hartemink, que mantém o Heraldry of the World, perguntou no grupo Heráldica Brasil, sobre algumas armas do Brasil Holandês, que foram impressas em estampas do Sabonete Eucalol. Dentre as estampas, encontrei alguns Brasões coloniais. Dentre estes, me chamou atenção o que foi atribuído para São Luís do Maranhão.

Brasão Colonial de São Luís, Estampa do Eucalol.

São Luís é uma das cidades mais antigas do Brasil. Apesar de ser parte da América Portuguesa pelo Tratado de Tordesilhas, foi fundada como Saint-Louis de Maragnan, um forte construído pelos franceses, no ano de 1612. Em 1615 os Portugueses conquistaram o forte. Em 1641, ao mesmo tempo que mantinham outras colônias no nordeste brasileiro, os holandeses conquistaram São Luís, sendo expulsos pelos ludovicenses em 1645.
As armas, concedidas em 1647, são De prata, um braço movente da sinistra, armado e sustentando uma balança, tudo de sua cor, na qual servem de pratos dois escudetes. O primeiro, mais leve, é partido de França antigo e Holanda, e próximo a ele lê-se "Vis". O segundo, mais pesado, traz as armas de Portugal; próximo a ele, lê-se "Jus", e sob ele, lê-se"Prœponderae". Por timbre uma coroa.
Este brasão significa que o Jus (Direito) Português sobre a terra pesou mais que o Vis (vigor, força) dos franceses e holandeses, e por causa disso, a cidade voltou ao poder Português duas vezes.

No processo de reproduzir estas armas, contei com dados vindos através do Brasiliana Heráldica, do Leonardo Piccioni (cliquem no link para ver a versão dele das mesmas armas).
Brasão Colonial de São Luís, segundo MEIRELES,1994; via Brasiliana Heráldica.

Note-se que a versão da estampa do Eucalol trazia "Vis", nos dois pratos da balança, enquanto que a de Meireles, traz "Jus" ao lado do brasão Português. Citando a fonte na legenda da imagem anterior:
Nas Memórias do Estado do Maranhão diz o Padre José de Morais “que pesou mais o jus, ou a justiça das armas de Portugal, que o vis ou a fôrça das de França e Holanda, com imortal desempenho do valor português, e não menor glória da valentia daqueles ilustres moradores do Maranhão”. 
Sabendo disso, optei por manter "Jus".

Outra das minhas dúvidas era se a coroa era real aberta ou mural. Não lembro de ter visto referências a coroas murais na heráldica portuguesa antes da República pelas terras de lá. Confirmei, ou ao menos baseei a minha escolha  de usar a coroa real no As cidades e villas da Monarchia Portugueza que teem brasão d'armas, onde constam diversas cidades que receberam armas ainda de D. Manuel (anos 1500), com direito a coroa real. Ainda não sou muito bom com desenhar coroas, mas gostei do resultado que obtive.

Estilisticamente falando, acompanhei o Leonardo na posição dos escudos. Enquanto que nas armas indicadas os escudos aparecem como pratos de balança, eu os deixei da forma mais natural, afinal, o que está sendo pesado são os escudos, não qualquer coisa sobre eles. Por fim, o leão no escudete franco-holandês. No Eucalol e em Meireles, o campo é azul, enquanto Piccioni usa as armas modernas de Nassau. Mas a meu ver, as armas que seriam mais corretas ali seriam as da República das Sete Províncias. O leão dourado de Nassau sobre campo vermelho, sustentando uma espada e flechas (estas últimas não aparecem na imagem, lapso meu, logo será corrigido).


Armas Coloniais de São Luís do Maranhão, minha versão.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Novas informações que me aparecem nos livros

Recentemente, comprei um exemplar de Princípios de Heráldica, da Vera Lúcia Bottrel Tostes. E estava folheando-o quando encontrei a seguinte imagem, referente a linhas. Ao lado das linhas ondulada, endentada, crenulada, denticulada e etc, aparece esta aqui, denominada linha em nó


Em todo esse tempo tendo a heráldica como hobby, não consigo me lembrar se vi uma linha destas em nenhumas armas. Será que essa informação está correta? Alguém tem mais informações sobre usos desta linha?

EDIT: O Leonardo Piccioni, grande Heraldista e Vexilólogo, editor do excelente blog Brasiliana Heráldica, me mandou mais informações sobre a peça. 

O nowed ou nouée aparece na heráldica britânica e francesa, como por exemplo nas armas da vila de Matignon, no noroeste francês, que são derivadas das da família Matignon.

Armas da Vila de Matignon: De ouro, duas faixas em nó de gules
acompanhadas de nove merletas do mesmo, postas 4,4 e 1.
Armas da Família Matignon, num selo de 1289:
De ouro, duas faixas em nó de gules, acompanhadas de
oito merletas do mesmo, em orla.

Outro fato interessante é que também se pode representar o nó por uma faixa com um círculo. Anteriormente, eu havia notado que alguns brasões de localidades francesas tiveram seu conteúdo de certa forma simplificada, pelo menos nos arquivos públicos da Wikimedia Commons.

Ficam aqui os meus agradecimentos ao Leonardo, que através do Heráldica Brasil tem ajudado a disseminar conhecimento Heráldico pela internet. E quem ainda não está por lá, siga o link acima e venha compartilhar suas dúvidas e conhecimentos com a gente!

domingo, 14 de junho de 2015

Você compraria uma loja de Heráldica?

Eu estava passeando pela internet hoje, quando notei que o Heráldica Pelotense foi fechado e seu espólio colocado à venda.

Quando eu era apenas um curioso iniciante em Heráldica (não que eu não seja mais curioso, mas bem no passado), o site deles era um dos meus preferidos. Vendo num contexto simplório, pode-se dizer que essa página foi, por longos 19 anos, uma bucket shop, como costumeiramente se diz nos círculos anglófonos de heráldica. Ainda assim, é inegável que por obra dos proprietários deste site, a heráldica foi ao menos um pouco mais popularizada


Página da Heráldica Pelotense. Se eu fosse milionário, eu compraria.

Se este espólio colocado à venda fosse apenas de livros, eu até pensaria em fazer algumas ofertas, visto que agora comecei a comprar volumes físicos de heráldica.

Encontrei uma cópia desse livro num sebo por aqui.

Se alguém estiver interessado, pode mandar um e-mail para eles. E caso haja material que possa ser disponibilizado na internet, acho que não só eu, mas toda a comunidade heráldica apreciará bastante.

E você, leitor, se tivesse dinheiro para isso, compraria a loja?

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Eduardo e a Liga

A Liga, por Rs-Nourse @Wikimedia Commons
A heráldica sempre foi uma matéria onde homens tiveram precedência. Mas vez por outra, mulheres participaram ou foram responsáveis por histórias que acabaram por refletir na ciência e arte da Heráldica. Hoje, tenho mais uma história.

Assim como já contei, anteriormente, a história de Ana da Bretanha, de forma mais ou menos fictícia, hoje trago uma outra. De como o Rei Eduardo III da Inglaterra criou uma das mais importantes Ordens Honoríficas do Mundo, movido por honrar uma de suas amantes, Catherine Montacute.


Conta-se que Eduardo III era apaixonado por Catherine Montacute, Condessa de Salisbury. Em 1341, fez com que até mesmo um cerco que tinha sido armado ao castelo onde ela estava fosse desfeito, apenas para encontrá-la na ausência do marido.
Mas a cena que mais se conta é a seguinte:
Calais, 1348.
O Rei Eduardo, um cavalheiro, aproveita um baile em sua corte. Decerto, olhos atentos a Catherine. Desejoso de estar com a sua amante,  (Mas que Rei não estaria?) tira-a para uma dança. A determinado momento, a liga azul que prendia a meia de Catherine solta-se e cai. Prestativo, Eduardo apressa-se a devolver-lhe a peça de vestuário, diante dos olhares e sorrisos maliciosos e trocistas das pessoas ali presentes. Catherine, atingida por aqueles olhares maldosos, como que dissessem "Esta liga já caiu em outros momentos. Todos já sabem aqui que és tu que deita-se na cama do Rei", perturba-se e chora.
Eduardo III, via cigcardpix@Flickr

Vendo aquela cena, o Rei parecia irritado. Evidentemente, não gostou que aquele tratamento fosse dado à Catherine. Ora, ela era sua amante, e ele era o Rei. Ninguém tinha nada a ver com aquilo. Ele era o Rei, e podia ter amantes. Aquilo era comum para a época. Quem o impediria? 
Honni soit qui mal y pense! Tel qui s'en rit ajourd'hui, demain s'honorera de la porter!
-Envergonhe-se quem vê malícia nisto! De forma que riem hoje, amanhã se honrarão de portá-la. - Eduardo trazia a liga na mão e devolveu-a em seguida a sua legítima dona.
Insígnias da Ordem da Liga
Dito e feito. Logo a Ordem da Liga ou Ordem da Jarreteira (em inglês, Garter) era, como ainda é até hoje, a mais importante Ordem do Sistema Honorífico Britânico.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Pelo bem do método.

Posso estar enganado, e bem, espero que esteja. Mas acredito que há gente muito pouco gentil no ramo heráldico. Reitero que não sou um megalômano. Heráldica não é minha vida, não ganho um centavo pela tarefa de escrever este tedioso blog. Não ganho porque não quero, não sou a favor de encher um blog de publicidade, de tal forma que todo ele acabe se tornando uma grande vitrine.

Por isso, também não cobro um centavo sequer quando forneço ajuda com heráldica aos que me pedem, não vendo meus desenhos heráldicos nem os faço por encomenda em troca de qualquer pagamento em dinheiro.

Eu não sou um desses caras. Não acredito que Heráldica tenha de ser caro e chique.
Na minha página do DeviantArt, posto sempre minhas mais recentes Peças Heráldicas digitais, e lá, aceito comissões por pontos. Para os leigos, pontos são uma espécie de moeda no DeviantArt, que permite melhorar o perfil, adicionar subpastas no seu catálogo de posts, dentre outras melhoras. Lá eu peço points, porque com eles teria uma melhor usabilidade no serviço. Mas sigo sem aceitar nenhum dinheiro. Não acredito que Heráldica tenha de ser algo caro e chique. Não acredito que tenha de ser esnobista. Não acredito que tenha de ser floreada. Não é pra isso que ela serve.
A cena errada, o momento errado, a ocasião perfeita
A Heráldica é uma forma de identificação. Heraldistas são os guardiões deste método, da ciência criada para compreender a identificação. Está em suas mãos o poder de compreender e transmitir tal método. Ao encontrarem incorreções, é importante que as tragam à tona. Meu pai diz que "quem encobre o malfeito, faz pior do que quem o malfeito fez." Radical? Sim. Ácido? Totalmente. O método é claro, está escrito, preto no branco. A forma com que alguns heraldistas agem, condescendentes e comodistas, ultrapassando o método por vaidade, utilizando-se de  convicções pessoais, conjecturas e ideias de outras ciências humanas para isso é nada menos que estúpida.

Não nego que também faça isso. Porque provavelmente eu também o faço.

O método é o correto. Suas adaptações devem ser tratadas com cuidado e seus desvios devem ser extirpados. A última frase me lembrou de Huxley e Orwell. O certo é o certo e o errado é o errado.

Mas somos humanos e ninguém está sempre certo. Eu também estou errado, os outros também estão errados. Por desatenção, por desleixo ou mesmo por má-fé. Ninguém pode estar certo todo o tempo. Como alguém que li uma vez, que dizia que se outro estava descontente com o cenário da Heráldica que existia, fosse lá e criasse uma instituição para normatizá-la. Mas pra que isso? A Heráldica só necessitará de uma normatização quando tivermos um governo que a trate como deve ser tratada. Normatização não é necessária atualmente. Respeitar o método sim.

Faz-se mais levando conhecimento de forma criteriosa do que apontando falhas. Precisa-se ensinar o método, e não utilizá-lo se dele (ou de qualquer outra coisa) para julgar-se mais correto sobre qualquer coisa.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Nova "Nobreza" da internet.

Antes de ser um blogueiro sobre heráldica, gosto muito de ser um leitor. Sou leitor assíduo do Dibujo Heráldico, do Xavier Garcia e Mesa, bem como (e até ainda mais) do Crónicas Heráldicas, do Juan José Carrion Rangel.

Estava novamente lendo estes dias, durante as minhas férias, e encontrei um excelente diálogo, evidentemente fictício, tratando da "ostentação" que alguns fazem sobre seus brasões, títulos e suposta "nobreza". Passo a citá-lo, em tradução livre:

E um diálogo entre um verdadeiro militar (com tão somente uma ou duas medalhas após trinta anos de serviço e um par de missões na Ásia) e um cavaleiro de alguma destas "ordens", com o peito coberto de metal tilintante, poderia ser similar a isto.

-E todas estas medalhas, de que são?
-Já te digo. 
-Essa grande cruz vermelha, por exemplo. O que fez para ganhá-la? 


Colar da Ordem da Zabumba Inconclusa. ©Xavier Garcia y Mesa

-Bom, na realidade significa que sou cavaleiro da Ordem da Zabumba Inconclusa.
 
-Ah... (silêncio). Bom, e que méritos fez para pertencer a esta ordem? 
-Então, olha... Eu paguei para entrar. Enfim, é... bom... bonita festa, né? Ei, eu te apresentei ao marquês do Álamo Estreito? 
Imaginem a cara do verdadeiro militar.
Essa conversa é perfeitamente aplicável em terras brasileiras nos dias de hoje. Há uma profusão de páginas na internet clamando supostos direitos de herança sobre títulos nobiliárquicos e soberanos. Algumas destas chegam a distribuir entre os seus leitores, amigos e colaboradores "títulos honoríficos". Em algumas páginas, contei, para apenas UMA PESSOA, 21 títulos, dentre eles quatro principados, três marquesados e seis títulos de Rei de Armas. SEIS! O que infelizmente só prova que uma parte dos heraldistas, mais usualmente os monarquistas megalômanos, tem um dedo nisso, ou pior, um braço inteiro nisso.

Sou aficionado por heráldica desde os meus 14 ou 15 anos, e nos últimos dois anos, passei a levar a matéria mais a sério, aproveitando a imensa quantidade de material de pesquisa sobre o assunto disponível na internet. Sou também defensor da Monarquia Constitucional, no Brasil. Não de uma Monarquia de extrema-direita como a maioria dos monarquistas nesta terra  defende, mas ainda assim, sou um monarquista. Mas se posso dizer que não sou algo é megalômano.

Dialoguei algumas vezes com esses tipos que se dizem condes, marqueses, príncipes e seja lá mais o que forem. Geralmente me pedem que produzam heráldica para eles, em troca de um título de nobreza ou um posto de Arauto, Passavante ou do gênero. Desse tipo de nobreza, Já sou Príncipe de Lisander, minha nação fictícia, e Grão-Mestre da Ordem do Arminho, ordem tão fictícia quanto a nação. Não preciso de nenhum título (a não ser que ele inclua vultosas somas em dinheiro, assim eu posso me sustentar vivendo sozinho numa capital de estado, o que não é muito fácil.)
Brasão de Armas do Príncipe de Lisander, com o colar da Ordem do Arminho.
Na vida real, comparado às dezenas de honrarias e títulos e honrarias que estão sobrando por aí, a pender e timbrar brasões por aí, sou bem mais modesto. Sou membro apenas da Ordem Sagrada dos Soldados Companheiros de Jacques DeMolay, popularmente conhecida como Cavalaria DeMolay, uma ordem paramaçônica juvenil. E nem esta tenho me dado ao luxo de ostentar, afinal já há dois anos, por conta dos estudos, estou afastado de qualquer função ativa nela. De que serve uma honraria a não ser para premiar méritos?

Faço minhas as palavras de Francesc Piferrer em seu ''Tratado de Heráldica y Blasón , que perfeitas para o caso da Ordem da Zabumba Inconclusa, também se adequam muito bem a todo este caso sobre o qual estivemos falando aqui.


Os pontos 13 e 15 são os melhores.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Novo nome e divulgação

Olá, leitores. Recomeço o blog em 2015 com um novo nome. Atelier Heráldico já existe e já está há um bom tempo na internet, então achei melhor trocar. Ele se chama agora "Blog de Armoria", nome inspirado no excelente Blog de Heráldica, hoje já finalizado, do heraldista espanhol Juan José Carrión Rangel.

Para começar essa nova fase deste tedioso blog, trago um projeto muito interessante que encontrei no blog Heraldica Nova, referência em projetos de heráldica em nível acadêmico. "A serviço da Coroa: O uso da heráldica na comunicação política real no Portugal do fim da Idade Média" é um projeto que está sendo desenvolvido por Torsten Hiltmann, da Universidade de Münster e Miguel Metelo de Seixas, da Universidade Nova de Lisboa. Abaixo está parte da apresentação, que pode ser lida na íntegra e em inglês neste link.
A Heráldica Portuguesa parece ter tomado um rumo bastante peculiar. Em comparação com outras regiões, como França, Inglaterra e Alemanha, em Portugal a heráldica evoluiu bastante tarde e surpreendentemente diferente. Apesar da riqueza das fontes e os insights surpreendentes que podem fornecer, a comunicação heráldica portuguesa no fim do medievo continua a ser pouco estudada, especialmente no resto da Europa. Graças ao generoso financiamento do Volkswagen Stiftung, Eu e Miguel Metelo de Seixas e nos propusemos a mudar isso dentro dos próximos três anos. Um dia antes do Natal do ano passado, a fundação nos informou que a nossa proposta de projeto de pesquisa colaborativa Alemão-Português havia sido aceita. Assim, estamos agora em condições de instalar um novo sub-projeto dentro do Projeto ''Performance of Coat of Arms'' que incidirá sobre as particularidades da heráldica portuguesa no final da Idade Média, e, especialmente, a sua utilização em comunicação política real.

O que há de tão especial sobre Portugal?  

Portugal mostra-se um estudo de caso interessante por causa da centralização inicial da autoridade real. Isto reflete-se na criação de um discurso confirmativo dessa autoridade, na teoria política e também na comunicação visual. Vários membros da família real de Avis (os reis João I e Duarte,e os príncipes Pedro e Henrique) escreveram eles próprios ou traduziram textos sobre doutrina política (specula principis). Suas idéias salientam o papel do rei como o possuidor de um poder que, embora certamente de origem sagrada, também baseava em um conceito neoplatônico. Este conceito integrado os membros da comunidade política dentro de uma estrutura hierárquica em que todos tinham a sua função: A tarefa do rei, como juiz supremo, é preservar o equilíbrio deste sistema de acordo com os princípios de justiça.
Ao contrário da situação na maioria dos outros reinos da Europa, os reis portugueses reclamaram para si autoridade exclusiva sobre heráldica e os meios de sua expressão monumental e visual. A coroa criou ela mesma uma autoridade heráldica que, teoricamente, todos os súditos do rei tinham que obedecer. A criação de um programa heráldico monumental fez esta submissão visível. 
A legislação heráldica portuguesa garantia este controle real, concedendo a coroa o direito de decidir a quem era permitido portar armas (Lei de Afonso V em 1476). Além disso, criou-se uma autoridade central (Portugal Rei de Armas), que decidia que armas eram pertencentes a quem, ao mesmo tempo que mantinham um controle rígido sobre a exibição das próprias armas reais (lei de 1521). Era oficialmente proibido representá-las sem a permissão explícita do rei.